quarta-feira, 22 de outubro de 2008

INTRODUÇÃO

No texto que se segue, nos propomos a fazer uma breve reflexão sobre o ornamento na arquitetura, um acessório corriqueiramente inofensivo mas que está no centro do desenvolvimento da história da arquitetura, sobretudo do período moderno e apresentando-se até os dias atuais. Enquanto alguns o glorificaram – exemplo do barroco – outros o repudiaram – caso dos modernos. Os pós-modernos resgataram o ornamento de forma bem “carnavalesca” assim como é do espírito dos mesmos.
Para refletirmos sobre este tema, iremos contrapor nesse grande universo de intervenientes, dois nomes que se encontram, por um lado, próximos na história da arquitetura, mais que por outro, estão distantes na forma de abordar o ornamento, são eles: Adolf Loos e Antoní Gaudí. Embora ao longo do texto possamos constatar aspectos “comuns” entre Loos e Gaudí, a forma em que ambos interpretarem o ornamento é bem diferente.

ANTONI GAUDÍ


A Espanha e o restante da Península Ibérica mantiveram-se isolados do restante da Europa e das correntes artísticas nomeadamente o Art Nouveau, que já havia se difundido. Espanha constitui um “mundo” à parte, com um grande desenvolvimento econômico e político, uma burguesia catalã ascendente e dinâmica na busca de uma identidade própria e diferenciada dos demais centros europeus. É neste ambiente que Gaudí encontra espaço e capital (mecenas) para desenvolver seus projetos que num primeiro momento é bastante eclético com influências muçulamana, barroca, medievalista e por último gótica, devido à redescoberta e valorização do gótico catalão na busca de uma identidade nacional.


“Todas as obras que formam parte deste primeiro período, partem de um ponto de vista eclético que vai dando origem aos diferentes estilos. Enquanto a Casa Vincens e a vivenda El Capricho são exemplos de uma clara influência da arquitetura muçulmana, os Pavilhões da quinta Can Feliu revelam uma vontade de mudança.” (CAVADAS, 1985, p. 8)



Gaudí embora considerado uma figura da Arte Nova - Art Nouveau – diferencia-se dos restantes artistas no que diz respeito à maneira de ver o ornamento e a natureza, como também a forma de concepção do projeto. “Gaudí era pragmático. Ao contrário dos arquitetos do seu tempo, não trabalhava no estirador. Estava sempre nos estaleiros, a discutir com os operários, reflectia, esboçava e rejeitava”. (ZERBST, 1985, p. 31)

“É esta proximidade com a natureza que distingue Gaudí dos artistas da Arte Nova, entre os quais é muitas vezes incluído. Os ornamentos da Arte Nova orientam-se, de facto, pelas formas da natureza, mas permanecem sempre meramente decorativas, sobretudo bidimencionais, linhas puras. Mas para Gaudí, a natureza era constituida por forças agindo atrás da superfície. Para ele, a superfícia exprimia apenas estas forças no interior.” (GUELL, 1985, p. 31)

Antoni Gaudí é um revivalista e nacionalista catalão que preserva desde o idioma como identidade nacional, até a observação e aprendizagem dos mais pequenos ensinamentos de vida cotidiana, os quais ele soube com muita maestria expressar em suas obras. “Gaudí sentia-se catalão até a medula dos ossos” (ZERBST, 1985, p. 17). Como revivalista Gaudí sofre claras influências da arquitetura catalã tradicional e da arquitetura gótica - arquitetura estrutural. Gaudí observava as obras do passado e delas tirava conclusões para sua arquitetura.

Uma grande influência que Gaudí sofreu nas sua obras, foi a do arquiteto francês Viollet-le-Duc, que esteve ligado à arquitetura revivalista ou neogótica do século XIX e é um dos primeiros teóricos da preservação do patrimônio histórico e de retorno à construção regional. Le-Duc é também considerado um precursor teórico da arquitetura moderna. Nota-se em Gaudí, assim como em Viollet-le-Duc, a crença no princípio de que o valor das obras medievais reside na sua honestidade quanto às características dos materiais e processos construtivos, aspetos que podem ser considerados influências para a arquitetura moderna.
Para além do Viollet-le-Duc, Gaudí obteve influência das teorias de Ruskin, que defendia que “o ornamento é a origem da arquitetura”, ideal que Gaudí defendeu com grande fervor em suas obras. Partia do princípio da arquitetura gótica de equilíbrio de forças, estrutural, leveza e luz atuante para a partir disso desenvolver suas criações – contruções orgânicas, na qual uma idéia segue a outra buscando um equilíbrio tanto de forças entre si como com a natureza circundante, num diálogo que acontece por exemplo no Parque Guell.

“É aqui que Gaudí, pela primeira vez, realiza o seu conceito geral da profissão de arquiteto. Já o seu grande modelo teórico, John Ruskin, tinha defendido a opinião de que a arquitetura devia ser uma síntese das artes devendo o arquiteto ser ao mesmo tempo pintor e escultor.” (ZERBST, 1985, p. 29)




Nessa busca e tentativa de valorização da identidade nacional e entusiasmo pelo exótico, bastante incentivado nesse período na Espanha, Gaudí emprega constantemente em suas obras, tradições artesanais da sua terra: cerâmica, vitrais e ferro forjado, numa composição orgânica e rica em ornamentos.








ADOLF LOOS

Já o Adolf Loos, arquiteto austríaco que se destacou pela sua posição crítica e de repúdio ao ornamento na modernidade, através dos seus manifestos, de realçar: “Ornament is crime” e “Arckitektur” e suas obras arquitetônicas despidas por completo de ornamentação, caso da Vila Müller em Praga. Ele é considerado um precursor do movimento moderno, por seus ideiais da arquitetura funcional através da planificação racional do espaço planeado (“Raumplan”), com vista a um modo sóbrio e respeitável de estar na vida e pela valorização das características inerentes do material. Quanto à questão da funcionalidade Loos sofre claramente influência do arquiteto Louis Sullivan e da Escola de Chicago quando da sua passagem pelos Estados Unidos. Sullivan foi o primeiro arquiteto modernista a defender a máxima de que "a forma segue a função".

Como arquiteto Loos não tem muitas obras executadas. Destacou-se pelos seus textos que abordavam os mais diversos assuntos, desde indumentária, costumes, mobília, música entre várias outras temáticas. Em todos os textos percebe-se o traço principal do autor, crítico e de gene difícil. Os escritos de Loos se caraterizam como “anti-românticos, fastidiosos, puritanos e autoritários” (BANHAM, 1979, p. 135), motivos pelos quais ele conflitua com, e é incompreendido pelos seus contemporâneos, tanto a Deutscher Werkbund como a Livre Arquitetura Inglesa. Estes movimentos se colocam contra o ornamentação supérfula e demonstram desprezo pelos estilos catalogados, porém não há qualquer exitação em usar ornamentos da própria invenção e explorar as qualidades decorativas inerentes aos materiais, o que vai em contraponto com os ideiais do Loos. Quanto aos ataques ao Art Nouveau, que no caso da Austria denominava-se Suzession, nem sempre foram feitos num tom sério, e quase sempre misturados com aspetos pessoais, como é o caso da “História do pobre homem rico”, o que fez com que esses escritos fossem alguns parar na obscuridade. Um dos manifestos, crítica direta aos mestre do Art Nouveau – Otto Eckmann e Van de Velde - é o “Ornamento é crime”.

“Agora que o ornamento não está mais organicamente integrado em nossa cultura, ele cessou de ser uma expressão válida dessa cultura. O ornamento que é desenhado não tem relevância para nós, para a humanidade em geral, nem para o ordenamento do Cosmos. Ele é não-progressista e não-criativo.” (Ornamento é crime)

“...e o homem moderno pode empregar o ornamento de culturas hitóricas e exóticas como quiser, mas seus próprios talentos inventivos estão reservados e concentrados em outras coisas.” (Ornamento é crime)

“(...) Digo-lhes que chegará o dia em que uma cela de prisão mobilada pelo Professor van de Velde será considerada como agravante da pena. (...)” (FRAMPTON, 1985, p.111).

Adolf Loos entende a evolução da humanidade como a capacidade de se desligar do ornamento nos utensílios cotidianos. “...a evolução da cultura é equivalente é retirada à retirada de ornamentos dos objetos usuais”. Para explicar isso, ele “assemelha” a sociedade antiga a uma criança, e as sociedades sem “cultura” aos Papuas, é desta forma que ele compreende o ornamento como um reviver de culturas antigas ou então desconhecidas porém não tolera a invenção do ornamento pelo homem moderno, pois para ele já vencemos o ornamento e podemos brilhar pela simplicidade de nossas criações. “O ornamento moderno não tem ascendentes nem descendentes, não tem passado nem futuro”.

“Mas o homem do nosso tempo, que picha as paredes com símbolos eróticos, motivado por seu próprio ímpeto é um criminoso ou um degenerado(...) Pode-se medir a cultura de um país pelo grau de pichação das paredes dos banheiros públicos.” (Ornamento é crime)


Para Loos o ornamento é crime também pelo fato de desperdiçar dinheiro – a cada dez anos você é obrigado a trocar uma mobília cujo o custo financeiro ultrapassa em muito o valor estético – trabalho humano – acredita que o sapateiro por exemplo, que confeciona um ornamentado sapato sem ser devidamente recompensado, não o faz por prazer o que gera um maior desgaste da sua saúde – e matéria – quantidade que seria suficiente para confecionar um número maior de objetos é desperdiçado. Quando diferencia-se a obra-de-arte do objeto corriqueiro, e quanto menos preso estiver a algum estilo e/ou época mais valorizado e recompensado será o artista pelo trabalho, portanto mais feliz este ficará. “Feliz o país que não tem tais atrasados e aproveitadores”(Ornamento e delito). Esta perspectiva funcionalista da arquitectura e do design será uma das imagens de marca do Modernismo.

“Se todos os objetos durassem esteticamente o tanto quanto duram fisicamente, o consumidor poderia estabelecer para eles um preço, que possibilitaria para o trabalhador ganhar mais dinheiro e trabalhar menos tempo.” (Ornamento é crime)

“Suporto ornamento no próprio corpo, se fazem a alegria dos meus próximos.” (Ornamento é crime)

CONSIDERAÇÕES

Quanto ao discurso de Adolf Loos, percebemos bastante a singularidade e pertinencia na sua fala, para sua época, perdendo entretanto, um pouco do seu foco devido ao hábito de usar seus manifestos que seria para discutir a causa da abolição do ornamento, para atacar seus oponentes. Isto fez com que às vezes entrasse em contradição, o que também pode não ser considerado como um aspeto negativo, pois é a partir dessa contradição que se dá uma grande valorização de culturas anteriores e estranhas como “desculpa” para o uso do ornamento. Este fato é comum no Gaudí - defesa do uso do ornamento como forma de reviver culturas passadas - embora este se inspire nelas para criar e ornamentar suas obras, sempre em busca da revalorização da riqueza artística e arquitetônica nacional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ZERBST, Rainer. Antoni Gaudí. . Japan: Rikuyo-sha Publishing, inc., 1985. 17p.
GUELL, Xavier. Antoni Gaudí. . Barcelona: Editorial Gustavo Gili, S.A., 1986.
FRAMPTON, Kenneth. Henry van de Velde e a abstração de empatia, 1895-1914. In: ________. História crítica de la arquitetura moderna. p.111-115.
BAHNAM, Reyner. Teoria e projeto na primeira era da máquina. . São Paulo: Editora Perspectiva, S.A., 1979. p. 133-149.
SARNITZ, August. Loos. . Alemanha: Taschen GmbH, 2003. p. 7-21.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Arquitetura_moderna Acessados em 05 de outubro de 2008
http://www.concursosolucao.com.br/WA_livros_exibe.asp?id=8466&livro=ORNAMENTO%20E%20MODERNISMO%20-%20A%20constru%C3%A7%C3%A3o%20de%20imagens%20na%20arquitetura#snps Acessados em 10 de outubro de 2008
http://www.scribd.com/doc/5274260/O-QUE-E-POSMODERNO Acessados em 12 de outubro de 2008

Videos acessados em 21/10/008
http://br.youtube.com/watch?v=ifPUgOON2jU
http://br.youtube.com/watch?v=tqXpBjHSo4k